29 janeiro, 2006

Conversas com o meu espelho II


Woman looking at a mirror - Faith Ringgold

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O pescoço despencou de vez. Não tarda que pareças um perú bêbado, pronto para a ceia de Natal. Acabaram-se as alcinhas, as saias curtas, os saltos altos. Acabaram-se as noites longas, porque as olheiras deixaram de ser interessantes para se tornarem deprimentes. Não, não vás buscar os óculos. não me obrigues a mostrar-te que estás velha. Ah, sim? E depois? Fui nova e bonita durante tantos anos que agora me parece justo pagar este tributo à vida que me favoreceu. Iria odiar ver a minha boca inchada de colagénio, as bochechas paralisadas de botox, as orelhas arrepanhadas da cirurgia, a testa cada vez mais alta e mais oca. A minha ideia é que Deus dá beleza às mulheres e aos homens para se atraírem mutuamente e cumprirem o seu plano universal de reprodução da espécie. Portanto, pele lisa e luminosa, lábios cheios, cintura fina, maminhas empinadas, cabelos longos e macios. E nos homens, tudo o quanto apreciamos e nos faz inconscientemente escolhê-los para pais dos nossos filhos, assegurando uma genética cinco estrelas. É assim com todos os animais: as fêmeas escolhem os mais belos, os mais fortes, os mais capazes. Atraímo-nos e reproduzimo-nos. A nossa função biológica é cumprida e termina aí. È justo que depois disso queiramos ter boa aparência. Mas não temos de ser novas e sobretudo não precisamos de parecer novas. Embirro com o conceito de parecer. Uma coisa é ou não é. Uma pessoa é ou não é. Prefiro ser.
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Conversas com o meu espelho - Rosa Lobato Faria

3 comentários:

paper life disse...

Eu também prefiro ser.

:)

Bjs.

Anónimo disse...

Ai, minha amiga rebelde, concordo contigo em muita coisa.
A idade está na nossa cabeça...mas às vezes pesa....!
Sei como pensas...Mas existem muitas mulheres que têm imensos problemas em envelhecer, em aceitar os sinais exteriores e algumas limitações que a idade vai trazendo. Esta conversa é principalmente para elas, mas não faz mal nenhum lembrar.
Uma pessoa é ou não é. Prefiro ser.
Bjinhos

Bjinho

Anónimo disse...

Olá Vida de papel!
Gostei principalmente quando ela diz:
Mas não temos de ser novas e sobretudo não precisamos de parecer novas. Embirro com o conceito de parecer.
Eu também...
Bjs