21 outubro, 2007

Por terras de África VII


Mãe e filha

A visita seguinte era de peso, iria precisar de toda a minha força para conseguir aguentar sem soçobrar.
A entrada do cemitério estava atulhada de gente. Tinham-me dito que era de tarde que se faziam a maior parte dos funerais.
Depois de entrar a custo pela porta principal, segui o caminho que me iria levar junto do lugar onde a minha mãe tinha sido sepultada há 50 anos atrás.

Pelo caminho, comecei a ficar impressionada, olhando os jazigos, com as portas arrombadas, os vidros partidos, completamente vazios.
Campas profanadas, partidas, abertas. Absolutamente tétrico.
Tive medo de escorregar ou tropeçar tal era a confusão e cair dentro de alguma delas…

Depressa me apercebi que iria ser complicado completar a minha missão.
As ruas secundárias, perpendiculares e paralelas à rua principal, tinham desaparecido, completamente inundadas de campas recentes.
Voltas e mais voltas, alguns rapazes que habitualmente limpam e ajudam os visitantes a procurar também.
Nada!

Sugeriram então que fosse ao escritório, consultar os livros: sabendo a data encontraria o registo e o talhão.
Um primeiro livro, depois um segundo e finalmente os registos de 1957.
Desfolhei o livro, ansiosa.
Janeiro, Fevereiro, Março…
O resto das folhas tinham sido arrancadas…
Maio de 1957…
Nada restava.

Saí do escritório e os rapazinhos esperavam cá fora o resultado para recomeçarem a procurar. Foram atrás de nós e continuaram a ajuda na procura.
Nada!

Fazia-se tarde. O cemitério estava vazio.
Desisti.

E um pensamento acudiu à minha mente, dando-me uma enorme serenidade.
Como se uma voz me dissesse:
- Minha filha, que procuras aqui, se toda a vida andei por perto e te protegi?

Regressei ao carro, que tinha ficado afastado e sentei-me.
Percebi, afinal, que não tinha ido ali fazer nada.
Porque a minha mãe já ali não estava há décadas.


A desordem é total

“Isto já deixou de constituir um lugar sagrado. Os munícipes transformaram o cemitério de Lhanguene num lugar público de diversão – não respeitam as campas. Está sendo difícil controlar a situação porque o cemitério é grande e nunca se sabe quem mora dentro do cemitério e quem não é daqui” – Alexandre Libombo, administrador dos cemitérios”

http://www.canalmoz.com/default.jsp?file=ver_artigo&nivel=0&id=&idRec=2212

6 comentários:

SM disse...

Este passo da tua viagem era com certeza dos mais dificeis ...

Mas a verdade é que as pessoas que amamos fazem parte de nos ... estao gravadas no nosso coração e nunca de la saem ... seja quando partem para longe seja quando partem de vez ...

A tua mae esta sempre ao teu lado como tu estaras sempre ao lado dos teus filhos ... o amor é mesmo assim ... incondicional e intemporal.

Beijocas grandes
SM

Isabel Filipe disse...

por um artigo dum jornal a que há cerca de ano meio/dois tive acesso ... sabia o que se passa nos cemitários ...

essa foi uma das razões por que decidi não lá voltar...

beijinhos

Maria disse...

Deixo-te um enorme abraço, porque não consigo dizer-te nada.

Beijinho

bettips disse...

Este teu lugar de memórias... Algum espírito bom te protege, estou segura, pelo que vou sabendo de ti. Beijos imensos pela tua coragem, uma forte(doce) coragem de viver. Tua mãe gostaria tanto de ti, de te ver assim BELA e BRILHANTE como a flor! Obg

Kalinka disse...

AMIGA
ESTA PARTE É DOLOROSA
A minha Mãe também ficou lá, numa urna de chumbo, pois pensava-se trazê-la um dia para Portugal, o que nunca aconteceu.

O que é certo é que nunca mais lá voltei, ele faleceu há 32 anos e, sei que ela sempre me sussurrou aos ouvidos:
- Minha filha, toda a vida andei por perto e te protegi.
E...EU SEI DISSO.

Beijitos.

Lapa disse...

Que lindo blogue.