Salvador Dali
....me apetece escrever...
Nem sempre as ideias surgem...
Nem sempre consigo animar os outros...
Nem sempre tenho forças para mudar...
Quando entristeço.
Desço ao bar para tomar café, sou a primeira.
Olho para a senhora, cozinheira há muitos anos na cantina, sinto a sua aflição.
Começa a chorar e eu também...
É uma das funcionárias “disponíveis”, vai para a Mobilidade Especial.
Desço as escadas para sair, pico o ponto e olho para a telefonista.
Olhos marejados de lágrimas, ainda longe da reforma, a única existente nessa categoria.
Queixa-se e ouço-a e mais uma vez as lágrimas, teimosas, me traem...
Mais uma para os “disponíveis”.
Passo no corredor, várias mulheres consolam outra, que chora desolada.
Tesoureira, mais outra dispensada...
Eu? Ainda não sei...
É uma lenta agonia.
São três lugares para quatro...
Quem sairá?
Já estão a fazer as listas nominais e as cartas com a novidade serão enviadas na segunda feira. Cada um de nós receberá uma carta, onde estará ditada a sentença:
- Ou fica ...ou sai para sempre....
São muitos os que saiem. Ao todo, 214.
Não penso só em mim.
Sofro por aqueles com quem lido há 20 e muitos anos e que, como eu, ainda esperam a confirmação do sim ou não.
Revolto-me.
Tanto dinheiro esbanjado, tantas indemnizações milionárias, tanto luxo e boa vida por parte daqueles que nos pedem sacrifícios.
Que, com desumanidade, frieza e desfaçatez nos tiram o pão.